Após o frustrante “Valhalla Rising” e sua pretensão de ser uma obra muito mais profunda do que é, Nicolas Winding Refn mostra que suas habilidades não estão limitadas à simples captura de imagens belas. Antes da temática nórdica medieval existiu o retrato da mente humana, de uma psique distorcida e mais única do que outras consideradas normais. Descrições de enredo e sinopses podem até parecer genéricas e sem vida, mas por trás de algumas palavras mal atribuídas está uma profunda exploração dos cantos mais negros da mente do ser humano, extremamente bem conduzida por Refn.
É difícil traçar uma linha que defina sobre o que esta obra se trata especificamente, pois sua história não é exatamente linear. Embora as coisas aconteçam seguindo uma certa cronologia, não é como se a apresentação dos eventos refletisse algum modelo de narrativa ordinário. Apresentado como se fosse um show de comédia, este filme conta história de Michael Peterson (Tom Hardy), um típico cidadão inglês que sempre sonhou com a fama. Inesperadamente, a tão aguardada popularidade surge quando Peterson fica conhecido como o prisioneiro mais violento da história da Inglaterra, chegando a mudar seu nome para Charlie Bronson em seu processo de ascensão.
Um show de comédia stand up pode não parecer o modelo ideal para apresentar a história de uma das pessoas mais violentas do mundo, duvido muito que esta seria a primeira idéia de qualquer pessoa que pensasse em contar uma história deste tipo, mas de algum jeito isso funciona. A decisão de usar de artifícios incomuns como este inicialmente parece ter sido tomada para fazer o filme ser diferente de alguma forma — uma decisão de estrutura completamente hipster — porém não demora para que seu uso seja justificado pela maneira como Nicolas Winding Refn conduz sua trama. Ainda assim, é difícil enxergar como uma grosseira maquiagem de palhaço poderia, de alguma forma, ilustrar o conto de um homem que agride pessoas usando tantas roupas quanto a Vênus de Botticelli, mas curiosamente neste ponto tão caricato se encontra uma conexão íntima entre a direção de Refn e o trabalho de Hardy.
Dando sentido a sequências esquisitas, que em outro contexto seriam consideradas totalmente aleatórias, o diretor cria interessantes paralelos com os temas abordados, indo além do que é mostrado nas imagens. Enquanto poderiam dizer que esta é uma prática exatamente popular, ela não se limita a implicar significados através de momentos de sutileza, como acontece muitas vezes. Os significados que Refn busca transmitir estão refletidos na em aspectos como a estrutura do filme em si, usando a forma como um complemento do conteúdo no desenvolvimento de quem é essa pessoa chamada Bronson. Mais que uma montanha de músculos de bigode, Charlie Bronson mostra facetas primitivas de sua psique através de comportamentos explicitamente distintos, chegando a parecer pessoas completamente diferentes dependendo do ambiente, vide as sequências tão distintas agrupadas numa mesma narrativa. Ao contrário do que pode-se pensar, não existe nenhum tipo de esquizofrenia ou de transtorno de múltiplas personalidades em Charlie; o que acontece é que, de forma genial, uma atuação claramente caricata é usada como representante de como o próprio prisioneiro se enxerga em ocasiões diferentes. Então sim, Refn consegue fazer a absurda maquiagem de palhaço ter sentido quando o assunto é uma mente cheia de máscaras diferentes.
Seria esta outra história sobre um bruto que no fundo tem um coração mole? Com certeza não, pois o que se nota é uma variação inteligente do esquema de não comunicar ao espectador o que se pretende com todas aquelas imagens justapostas. Poderiam muito bem ter inserido um diálogo com o prisioneiro falando que se sente limitado no mundo civilizado, mas isto seria simples demais; em vez disso uma eficiente interpretação de Tom Hardy mostra através de atos Chaplinescos como é o modus operandi de seu cérebro. Diálogos medíocres, atividades insatisfatórias e movimentos mecânicos são vistos no mundo de fora. Quase tudo na vida do protagonista é resumido a um filme mudo de quinta categoria, como se algo essencial faltasse para o prazer pela vida poder ser sentido. Já na prisão, onde o personagem sofre opressão constante e tem sua liberdade limitada, a história é outra. Bronson passa a viver de verdade, agredindo pessoas a seu bel prazer e libertando diversos de seus instintos primitivos através da violência, sendo quase poético ver como um indivíduo aparentemente clichê se expressa tão naturalmente em atos ferozes.
Mostrando-se mais do que interessante com esta representação nua e crua do prisioneiro mais violento da Ingleterra, este filme acaba pecando pela falta, ao invés de pelo excesso. Sem arriscar ir além, parece que Refn se contenta em mostrar apenas a faceta mais primitiva de Bronson, que mesmo estando longe de ser ruim deixa no ar uma vontade por mais. Começam a explorar sua mente muito bem e simplesmente param na metade do caminho. Falta mais profundidade e exploração da figura do protagonista, não Tom Hardy nu distribuindo porrada a granel, o que já se vê em abundância.
2 comments
fez essa crítica pelo gerador de lero- lero?
Só se o gerador de lero-lero escrever críticas boas.